Kid Farofa, o bamba do faroeste

Por Marcus Ramone

Criado em 1965, por Tom K. Ryan, o caubói Kid Farofa (Tumbleweeds, no original) se despediu dos quadrinhos em 2007, quando estrelou sua última tira de jornal, nos Estados Unidos. No Brasil, nas décadas de 1960 e 1970, o personagem teve uma passagem de sucesso pela editora Artenova, sempre presente na revista Patota ou estrelando suas próprias edições regulares ou especiais.

Até os anos 1990, ainda era possível encontrá-lo na seção de tiras de alguns jornais brasileiros, o que já não garantia a ele o alcance necessário para conquistar novos fãs. Para quem acompanhou a fase áurea de Kid Farofa, restam as boas lembranças. Aos que não conhecem o personagem, a pedida é procurar em sebos ou sites de leilão as edições de bolso da Artenova. Como essa da imagem abaixo, publicada em junho de 1973, que na capa estampa Pockets Artenova 3 – Kid Farofa, o bamba do faroeste, mas na lombada, curiosamente, traz Kid Farofa Almanaque n° 2 – o expediente da revista não registra nenhum dos dois nomes. Essa confusão, que ainda hoje atormenta os que querem completar a coleção, era causada pelos muitos títulos da série de pockets da editora, que incluía Snoopy, Hagar, B.C. e vários outros.

Kid Farofa nº 3 (Artenova, 1973)

Além do parvo personagem-título e seu fiel cavalo Épico, estão presentes na edição o bandoleiro Olho-de-Cobra; o papa-defunto Barros; o impagável bebum Ressaca; a sonhadora Ermengarda, que vive tentando arrastar Kid Farofa para o altar e até o carrega nos braços; os índios Sortudo – na verdade, um azarado por natureza – e Búfalo Bucólico, um brutamontes abobalhado; e muito mais, incluindo os hilários soldados do Forte Ridículo. Todos com seu inconfundível semblante imbecil que faz rir à primeira vista.

Situações comuns nas histórias de faroeste, como tiroteios, assaltos a banco, fugas da cadeia, confrontos com índios e o tédio das ruas desertas e poeirentas das pequenas cidades (neste caso, a minúscula Garganta Seca), ganhavam nas tiras de Kid Farofa contornos cínicos, satíricos e bem amenos, como se o duro e indomável Velho Oeste norte-americano tivesse sido uma grande diversão.

É o que mostra nessa edição a divertida sequência em que o chefe dos índios Poohawk realiza o Seminário das Bárbaras Artes, no qual ensina, dentre outras lições, técnicas de escalpelamento – ou melhor, “retirada à força da epiderme craniana”, expressão correta para quem deseja ser um selvagem civilizado, segundo suas palavras.

Estaria na velha Garganta Seca a origem do politicamente correto?

Artenova, amadores com ótimos personagens

Definitivamente, as histórias em quadrinhos não estavam no métier da Artenova, editora fundada no início dos Anos 60 pelo empresário, escritor e político piauiense Álvaro dos Santos Pacheco. Conhecida por publicar autores importantes como Anthony Burgess, J. R. R. Tolkien, Raymond Chandler, Rubem Fonseca, Clarice Lispector, Carlos Castelo Branco entre outros, a editora passou a publicar vários personagens importantes de quadrinhos a partir de 1971.

Zé do Boné (Andy Capp)

Peanuts foi a primeira vítima da Artenova, com a revista Snoopy & Charlie Brown, publicada em formatinho. Nos anos seguintes foram lançados Hagar, O Mago de Id e Mutt & Jeff, todas em formatinho, e Kid Farofa, B.C., Zé do Boné, Mãi…ê! e Denis, o Pimentinha, todos em edições de bolso. Os Peanuts também tiveram publicações de bolso.

Além de uma montagem absolutamente amadora, que muitas vezes sacrificava alguns quadrinhos, quando os arte-finalistas da editora redesenhavam e completavam partes do desenho, as capas não utilizavam os desenhos originais na maioria das vezes. Eles eram trocados por artes primárias que mais pareciam decalcadas dos personagens, num total desrespeito ao trabalho autoral.

A montagem pífia se destacava nas edições em formatinho e na revista Patota, lançada em 1973 no formato magazine com 68 páginas. A publicação se tornou um grande sucesso de vendas apesar do amadorismo editorial, graças evidentemente à força do seu elenco de personagens. (Ucha)

Revista Patota #1: um elenco de peso com um trabalho editorial mequetrefe.

O Reizinho e o Embaixador: irmãos de tinta

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O simpático Reizinho (The Little King), criação imortal de Otto Soglow.

Criado por Otto Soglow, o simpático The Little King começou a ser publicado em 1931 na conceituada revista The New Yorker. Muito elegante e sofisticado, o traço de Soglow e seu Reizinho – como ficou conhecido no Brasil – logo chamou a atenção do magnata da imprensa americana,  William Randolph Hearst, que fez de tudo para ter o personagem em seus jornais, sob a tutela de sua distribuidora de conteúdo, a King Features Syndicate.

The Little King, by SoglowPorém, Soglow tinha um contrato de exclusividade com a revista para a publicação de seu personagem. Mas esse “pequeno detalhe” não impediu Hearst de ter o personagem… ou, pelo menos, ter um muito similar, afinal, quando esse chefão da imprensa americana queria uma coisa, ele sempre conseguia (ou quase sempre).

Como resolver o impasse? Soglow teve a ideia de criar um outro personagem com as mesmas características e estilo do Reizinho para que Hearst pudesse publicá-lo. Assim, em 1933, surgiu The Ambassador, que é praticamente um plágio de The Little King.

The Ambassador, tira publicada em 11 de fevereiro de 1934
The Ambassador 
foi publicado nos jornais de Hearst e distribuído pela sua empresa até o final do contrato de Soglow com a The New Yorker. Sua última aparição aconteceu no domingo, dia 2 de setembro de 1934, numa tira dominical na qual ele contracena com a mulher do Reizinho, estabelecendo um divertido crossover. Nela,o Embaixador recebe a Rainha, que lhe diz: “O rei está chegando em casa. Vamos encontrá-lo!”. No caminho há uma forte ventania e a coroa do Reizinho acaba caindo, ironicamente, na cabeça do embaixador. Essa foi uma sacada muito divertida de Soglow, fazendo uma ponte para o domingo seguinte, dia 9, quando The Little King finalmente estreou nas páginas dominicais dos jornais, distribuído pela King Features Sindicate.

The Ambassador se despede dos jornais em 2 de setembro de 1934Seu sucesso foi tão grande que, entre 1933 e 1934, O Reizinho estrelou uma série de desenhos animados criada pela Van Beuren Studios. Na década de 1950, The Little King foi publicado nos Estados Unidos, também em revistas em quadrinhos pela Dell Comics (como a historieta abaixo, de 1955). E em 1960, o personagem estreava numa revista mensal publicada pela Rio Gráfica Editora (RGE).

As histórias do personagem foram produzidas ininterruptamente até a morte de seu criador, em 1975.

Cartoon Monarch - Otto Soglow & The Little KingEm 2012, a IDW Publishing resgatou o personagem num livro de 432 páginas muito bem editado, chamado Cartoon Monarch – Otto Soglow and the Little King e pode ser encomendado no site da Amazon. Finalmente o trabalho do artista que inspirou uma geração de desenhistas ganha sua retrospectiva e poderá ser apresentado também às novas gerações. A IDW é a mesma editora responsável pela excelente coleção The Complete Chester Gould’s Dick Tracy, que publica desde 2006 todas as tiras de Dick Tracy desenhadas pelo seu criador, Chester Gould.

Para assistir a um dos desenhos clássicos do Reizinho, CLIQUE AQUI.

 

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